Quatro atiradores abriram fogo contra aglomerações de pessoas nas últimas 24 horas nos Estados Unidos.
O episódio mais recente foi registrado nesta quinta-feira, em Maryland, após uma funcionária temporária do depósito de uma rede de farmácias matar três pessoas e ferir outras três. Ela se suicidou com um tiro na cabeça antes de ser capturada pela polícia.
Na manhã do dia anterior, um funcionário de uma empresa de tecnologia de Wisconsin feriu a tiros quatro colegas de trabalho, causando ferimentos graves em três deles. O atirador foi morto pela polícia, segundo autoridades locais.
Horas depois, na Pensylvania, um homem feriu quatro pessoas e foi morto pela polícia na entrada do gabinete de um juíz, minutos antes de se apresentar em uma audiência do processo em que era acusado de agressão contra a esposa.
O quarto tiroteio aconteceu em Chicago, quando um homem abriu fogo contra um carro em uma briga de trânsito e atingiu quatro dos cinco passageiros – entre eles um bebê de seis meses e um garoto de 13 anos, ambos em levados em estado crítico para um hospital local, enquanto o atirador fugiu.
Os homicídios promovidos em locais de trabalho não são exceção nos EUA. Segundo os dados mais recentes do Departamento de Trabalho do governo americano, 500 homicídios do tipo aconteceram no país em 2016 – uma alta de 83 casos em relação ao ano anterior
Oito a cada dez destas mortes foi provocada por armas de fogo – as demais foram frutos de esfaqueamentos ou perfurações e agressões físicas.
Os principais alvos de homicídios no ambiente de trabalho são, também segundo o governo dos EUA, operadores de caixa (54 mortes), supervisores de vendas (50) e policiais (50).
Diversidade
As características de cada episódio ilustram a diversidade de tiroteios em massa nos Estados Unidos, que não se concentram apenas em escolas ou grandes eventos públicos.
“Episódios como Las Vegas ou Parkland, com quantidades impressionantes de mortos, acontecem de tempos em tempos, não toda hora”, diz à BBC News Brasil o estatístico Mark Bryant, diretor executivo da associação Gun Violence Archive (GVA – ou Arquivo da Violência Armada, em tradução livre), que registra mortes por armas de fogo desde 2013 a partir de dados do governo e das forças de segurança dos EUA.
Bryant se refere ao dois tiroteios de grandes proporções. Em fevereiro deste ano, em uma escola Parkland, na Florida, um ex-aluno armado com um rifle AR-15 matou 17 pessoas e feriu 14. Em outubro do ano passado, em Las Vegas, um aposentado matou 58 e deixou 851 feridos em um festival de música na principal avenida da cidade.
“Há duas grandes categorias de tiroteios em massa – os que ocorrem entre membros gangues de rua e os cometidos por cidadãos considerados ‘comuns’”, diz Bryant. “Estes últimos se dividem em inúmeras subcategorias e são os difíceis de prever, porque estatisticamente são cometidos por pessoas que passariam em qualquer análise de antecedentes e não tem problemas diagnosticados de saúde mental.”
A GVA classifica como tiroteios em massa episódios em que quatro ou mais pessoas são baleadas ou mortas em um único incidente, sem contar o atirador. O banco de dados entidade conta 262 tiroteios em massa nos Estados Unidos só em 2018. No ano passado, até 20 de setembro, foram 259.
O governo americano não tem uma definição oficial para “tiroteios em massa”. O FBI conta apenas episódios com mortes, classificados “assassinatos em massa” quando três ou mais pessoas morrem no mesmo local público. A polícia federal americana qualifica ainda como “assassino em massa” quem mata quatro ou mais pessoas em uma determinada situação.
Comparação com Brasil e outros países
Mais de 11 mil pessoas foram assassinadas a tiros nos Estados Unidos em 2016, segundo o FBI.
O número impressiona, mas equivale a um quarto das mortes por tiros registradas no mesmo ano no Brasil – mais de 44 mil, segundo o Mapa da Violência 2016, estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FPSP).
Enquanto as mortes por armas de fogo respondem por 64% do total de homicídios registrados nos EUA, no Brasil, onde o porte de armas é proibido pelo Estatuto do Desarmamento, a fatia é mais ampla e chega a 71,6%.
Os EUA perdem na comparação com outros países desenvolvidos. No Canadá, o percentual de homicídios por armas de fogo é de 30,5%. Na Austrália, o mesmo indicador gira em torno de 13%, enquanto, no Reino Unido, ele não passa de 5%.
O porte de armas é um dos temas mais discutidos por candidatos à presidência nas eleições brasileiras. Os candidatos Álvaro Dias (Podemos), Jair Bolsonaro (PSL) e João Amoedo (Novo) defendem revisões no Estatuto do Desarmamento e autonomia para o armamento da população em determinadas situações. Geraldo Alckmin (PSDB) já se pronunciou a favor do armamento em zonas rurais. Os demais candidatos defendem a manutenção da lei como está.
Pilar da Constituição
O tiroteio desta quinta-feira em Maryland responde a uma exceção nas estatísticas: mulheres são responsáveis por menos de 5% dos tiroteios em massa ons Estados Unidos.
Segundo a polícia local, ela tinha porte e registro de arma e tinha “vários cartuchos de munição”. Outras mil pessoas trabalham no depósito da rede farmacêutica Rite Aid, onde os tiros foram disparados.
Nos últimos sete dias, oito tiroteios em massa por registrados no país. A enorme incidência faz com que a maior parte dos casos ganhe pouca repercussão nacional ou internacional.
“Pouca coisa mudou legalmente desde os últimos grandes tiroteios”, diz o diretor-executivo da GVA. “A história se repete sempre que há um caso com grande repercussão: um grupo de congressistas defende regras mais rígidas para a venda de armas, enquanto outro tenta ampliar o acesso, incluindo professores, por exemplo.”
Para o especialista, um praticante de tiro esportivo que diz defender “a prevenção contra a violência armada e não o fim do porte de armas”, mudanças efetivas na legislação podem ocorrer após novembro, quando os EUA terão eleições legislativas.
“Tudo vai depender da nova composição do Congresso”, avalia Bryant.
Cerca de 40% dos americanos dizem ter pelo menos uma arma, aponta um levantamento de 2017 do Pew Research Center. Mesmo que seja difícil saber exatamente quantas armas estão nas mãos de civis ao redor do mundo, pesquisas apontam que os Estados Unidos sejam líderes do ranking, com 270 milhões de unidades.
O debate sobre controle de armas volta à tona sempre que grandes ataques com mortes em são registrados no país.
Uma pesquisa divulgada em fevereiro pela rede CBS News apontou que mais dois terços dos norte-americanos (69%) apoiam leis mais rígidas sobre a venda de armas, enquanto pouco mais da metade (53%) acham que tiroteios em massa continuarão acontecendo no país.
O porte de armas é um dos pilares da Constituição dos EUA. Conforme a a Segunda Emenda do texto constitucional dos EUA, é “no direito das pessoas a manter e portar armas não deve ser violado”.