Aos poucos, a valorização do ócio vem saindo do discurso pra virar uma prática. E com o aval dos especialistas: o nada é fundamental também para a saúde
Quando trabalhava como redator em uma agência de PR na Inglaterra, o fundador da revista Wired David Baker acompanhou um caso que mudou sua vida. Na época, fi m dos anos 80, um gerente da empresa trabalhou tantas horas seguidas que teve um colapso.
A agência, então, lhe ofereceu três meses de licença paga para que ele se recuperasse Seria justo se, um dia antes de retornar ao trabalho, não o tivessem demitido. “Nunca vi uma demonstração tão clara da ideia de que deveríamos ser máquinas, e não pessoas”, diz Baker, que hoje também atua como professor da The School of Life. Como lição, Baker decidiu que nunca trabalharia a ponto de ter problemas de saúde, mesmo que isso implicasse uma conta bancária mais enxuta. “Burnout [distúrbio psíquico de esgotamento físico e mental causado pelo desgaste profissional] não é sinônimo de sucesso. É sinal de que permitimos que nos desrespeitem.” Fato é que nossa sociedade valoriza trabalho e produtividade acima de tudo. Basta a pergunta: quando foi a última vez que você ouviu alguém dizer “estou tranquilo, fazendo tudo com calma”? Afinal, ter horas livres – em uma época em que nada parece ser tão livre assim – pode ser mal visto. Para dar conta da demanda, que também exige vida pessoal bem equilibrada, eliminamos da rotina algo fundamental: o ócio. Momentos para simplesmente praticar o nada. Dormir? Outra perda de tempo: um estudo da Universidade de Oxford comprova que dormimos, no mínimo, 2 horas a menos por noite do que há 60 anos. “As pessoas se comportam como se o sono fosse um cheque especial de onde se pode debitar tempo sem consequências”, explica o neurologista Sidarta Ribeiro. As consequências vão além de cansaço e irritação. Adicione estresse e ansiedade, e subtraia bem estar e, grande ironia, a tão necessária criatividade. A conta não fecha e, aos poucos, cada vez mais pessoas se dão conta desse fato. Prova disso são movimentos que ganharam força nos últimos anos, caso do slow life, que relembra a importância de desacelerar para ganhar mais qualidade de vida. Ou as alfinetadas que aparecem nas redes sociais toda vez que um profissional de sucesso libera frases como “durmo 4 horas por noite”. A seguir, três especialistas comentam as causas e efeitos desse comportamento que só faz lembrar: praticar o nada é essencial.
PSICOLÓGICA, FÍSICA OU ESPIRITUALMENTE, PRATICAR O NADA É FUNDAMENTAL PARA UMA VIDA EQUILIBRADA. ENTENDA POR QUÊ.
“Quando percebi que qualidade é melhor que quantidade, reduzi minha jornada de trabalho – e a quantidade de dinheiro que eu ganhava e gastava –, o que me deu muito mais espaço para pensar direito. É sabido que boas ideias costumam aparecer nos momentos em que estamos de bobeira, dando uma pausa nas incessantes pressões do mundo. Na Inglaterra, temos uma cultura que valoriza o trabalho e a produtividade acima de qualquer coisa, e o Brasil vive situação similar. É fácil achar que o mundo vai se afastar de nós caso a gente dê uma pausa na produção, mas se permitir esses momentos faz com que a parte inconsciente do cérebro organize todas as ideias às quais estivemos expostos. Aprender a desconectar é perceber que nós não podemos – nem devemos – participar de absolutamente tudo. Nossa cultura prega a ilusão de que podemos ter tudo, mas isso acaba colocando o foco apenas no que não temos. Começar é fácil. Desligue seu telefone por 1 hora ou 2, fique longe da internet por uma tarde, um dia ou, quem sabe, um fi nal de semana. Se você tem uma vida social ativa, separe algumas noites da semana só para você. E esteja aberto para ver e sentir o que aparece. Estamos tão acostumados a preencher a vida com atividades, que a quietude dessas ocasiões pode parecer estranha em um primeiro momento.” David Baker, fundador e editor sênior da revista Wired, escritor e professor da The School of Life
“Praticar o fazer nada é crucial para equilibrar a fisiologia e a cognição. Nossos ancestrais não evoluíram num ambiente de estímulos constantes, como acontece hoje por conta da internet. Nossa evolução foi marcada por uma clara separação entre noite e dia; durante a noite, não havia muito a fazer. As mudanças introduzidas pela luz elétrica, pelo rádio e depois pela televisão foram eliminando as oportunidades para o ócio criativo, para uma conversa despretensiosa na calçada, para olhar as estrelas, por exemplo. O resultado é mais estresse e ansiedade, menos bem-estar e, no final, menos criatividade. A vigília excessivamente longa pode levar a prejuízos cognitivos, hormonais e metabólicos, incluindo déficit de atenção, obesidade e depressão. O descanso e, sobretudo, o sono são essenciais para limpar o cérebro de toxinas, repor metabólitos dispendidos na vigília e processar memórias. Quando nos desconectamos, estamos criando as condições para podermos novamente ficar ativos. Ao contrário do que muitos pensam, o sono não é um simples descanso, mas tem papel ativo na saúde mental e física. O ócio é parte fundamental da experiência humana e precisa ser preservado.” Sidarta Ribeiro, neurocientista da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
“A luz divina está em todos lados, mas vive no silêncio. E a verdade é que ele amedronta. Silêncio signifi ca fazer perguntas, e nós criamos barulho e bagunça justamente para evitar as grandes questões e propósitos da vida. Não abrir espaço para esses momentos é como viver sem dormir, sem deixar o motor resfriar antes de mais uma corrida. Hoje, a maioria das pessoas atribui a felicidade ao alcance de metas. Com isso, vivem infelizes porque estão no caminho, mas ainda não chegaram lá. É incrível quanto tempo gastamos sofrendo com o passado e o futuro, mas essa energia é inútil. Há muita gente sonhando, mas poucos estão transformando sonhos em realidade. Há muita gente indignada com certas situações, mas poucos fazem algo para transformálas. Desfrutar o presente requer um trabalho árduo para que nossos medos não tomem conta de nós. É preciso reconhecer quando o silêncio é necessário. Vivemos uma vida cheia de estímulos e pensamentos, mas será que estamos no caminho certo?” PSICOLÓGICA, FÍSICA OU ESPIRITUALMENTE, PRATICAR O NADA É FUNDAMENTAL PARA UMA VIDA EQUILIBRADA. ENTENDA POR QUÊ. Yonatan Shani, diretor do Kabbalah Centre do Brasil
Fonte: Adriana Nazarian para Cidade – Foto: Tookapic para Pixabay