Especialistas acreditam que iniciativas como yoga, meditação e sala de descanso no ambiente de trabalho precisam estar alinhadas a políticas voltadas à saúde mental
Em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo, o burnout tem se tornado cada vez mais comum. Neste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) anunciou que irá incluir a síndrome na próxima revisão da Classificação Internacional de Doenças, que passa a valer a partir de 2022. Apesar de em um primeiro momento afetar apenas o funcionário, especialistas concordam que o tratamento e a prevenção do burnout precisam partir de mudanças internas na empresa.
Para Ana Maria Rossi, a psicóloga e presidente da Isma-BR (Associação Internacional de Gerenciamento do Estresse, na sigla em inglês), a mudança na classificação trará mais embasamento jurídico e legitimidade nas reclamações de funcionários que sofrem com a síndrome.
Segundo ela, os profissionais devem procurar fazer atividades fora do trabalho, cuidar da alimentação e praticar exercícios para evitar o problema. Ao mesmo tempo, Ana Maria defende que as empresas devem adotar estratégias de respeito aos limites dos seus colaboradores e precisam ter cuidado para não criar um ambiente onde impera pressão e ameaças de demissões. “É uma corresponsabilidade”, afirma.
O controle de estresse já está na pauta de algumas empresas. A Brasilprev, por exemplo, oferece meditação no ambiente de trabalho uma vez por semana para os seus funcionários. As aulas são oferecidas em parceria com a Yogist, a participação é voluntária e a prática engloba apenas a técnica, sem abordar a questão espiritual da ioga.
A iniciativa, contudo, nem sempre agrada a todos. Armelle Champetier, diretora da Yogist no Brasil, conta que a resistência por parte dos funcionários é maior em empresas que não aliam essa iniciativa a uma estratégia de comunicação sobre os benefícios à saúde.
Uma pesquisa da Isma-BR apontou que 72% dos brasileiros que estão no mercado de trabalho sofrem com algum problema ocasionado pelo estresse. Destes, 32% sofrem de burnout e 92% das pessoas com a síndrome continuam trabalhando. Segundo Ana Maria Rossi, o cuidado por parte das empresas é fundamental para que não tenham prejuízos financeiros. De acordo com ela, pessoas com burnout e estresse trabalham em média cinco horas a menos por semana.
Segundo Armelle Champetier, as empresas que adotaram meditação reduziram suas taxas de afastamento por motivos de saúde. “Estresse do funcionário afeta o trabalho dele, da equipe e a relação com os clientes”, diz. “Não é um problema individual, é também da empresa.”
Outra companhia a adotar práticas preventivas é a 99, que tem uma sala do sono no seu escritório, oferece massagens e terapia online por meio da plataforma Vittude. Luciana Andreotti, diretora de recursos humanos da 99, acredita que as iniciativas adotadas pela empresa tiveram papel importante para que 70% dos funcionários atingissem as metas. Além disso, ela conta que essas políticas atendem à demanda de colaboradores mais jovens que procuram um ambiente mais “descontraído” e “criativo”. “O ambiente de trabalho é um aliado na retenção e atração de talentos”, diz.
Tatiana Pimenta, sócia e fundadora da Vittude, plataforma de terapia online, diz que as empresas têm responsabilidade mesmo que o burnout seja causado pela vontade de crescimento profissional do próprio colaborador, que acaba trabalhando em excesso. “Além de não exigir mais do que devem, a empresa deve oferecer práticas para que os seus colaboradores conheçam os seus limites”, diz.
Mudança na cultura
No entanto, as empresas concordam que os funcionários só participam se esses programas fizerem parte de estratégias maiores. Segundo Rosiney Acosta, gerente de Pessoas da Brasilprev, as políticas têm resultado em aumento de produtividade e mais atração de jovens porque os colaboradores percebem que elas não são “isoladas”. Ele explica que a companhia aplica políticas focadas no bem-estar dos seus colaboradores há dez anos. “A empresa não faz porque ela é boazinha”, diz. “Temos consciência que as pessoas precisam se sentir saudáveis para trazer resultados.”
Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, conta que a maioria das empresas que procuram a plataforma já adotam políticas internas com foco no bem-estar do colaborador, como limite de carga horária, treinamentos e descontos para academia e massagens. No entanto, ela ainda enxerga preconceito em falar sobre saúde mental em grande parte das companhias. “As empresas sabem do problema [estresse e burnout], mas ainda não estão preparadas para lidar com isso”, diz.
Para a executiva, o apoio da liderança é fundamental para trazer o tema para a empresa e aumentar a adesão dos funcionários às políticas com esse objetivo. “Saúde mental tem que fazer parte de um programa”, afirma. “Não pode ser apenas uma plataforma, tem ser algo que faz parte da cultura da empresa.”
A psicóloga concorda e diz que as estratégias não podem ser paliativas, mas devem focar em reduzir os pontos de estresse dentro da empresa. “Essas práticas minimizam as consequências, mas não eliminam”, diz Ana Maria Rossi. “O bem mais valioso que temos é a saúde e ela precisa ser considerada responsabilidade de todos na relação empresa-funcionário”, afirma.
Fonte: Érica Carnevalli para Época Negócios – Foto: Abdullah Shakoor para Pixabay