Estudo diz que doutorandos são seis vezes mais propensos a desenvolverem ansiedade ou depressão
Nos últimos anos foram publicadas diversas pesquisas que alertam sobre o estado de saúde mental dos alunos de doutorado. Um exemplo recente é o trabalho que acaba de sair na Nature Biotechnology, apontando que os doutorandos são seis vezes mais propensos a desenvolverem ansiedade e depressão em comparação com a população geral. Segundo esse trabalho, dirigido pelo pesquisador Nathan Vanderford, da Universidade de Kentucky (EUA), isto significa que 39% dos candidatos a doutor sofrem de depressão moderada ou severa, frente a 6% da população geral.
Poderíamos pensar que esses resultados se devem a cortes nas condições de trabalho, ou que sejam algo intrínseco a empregos altamente competitivos, sejam ou não doutorados; entretanto, outro estudo, este realizado pela Universidade de Gent (Flandres, Bélgica), conclui que os doutorandos, em comparação com outros grupos profissionais com alta formação, sofrem com maior frequência sintomas de deterioração na sua saúde mental. “Esta é uma publicação muito importante, porque progressivamente estamos compreendendo que existem problemas de saúde mental entre os doutorandos, e estudos como este nos ajudam a entender melhor suas causas”, afirma Vanderford.
Para aprofundar esse tema, Katia Levecque, pesquisadora da Universidade de Gent e primeira autora do estudo belga, reuniu uma amostra de 3.659 doutorandos de universidades flamengas, que seguem um programa muito similar ao do resto da Europa e Estados Unidos, e quantificou a frequência com que os alunos afirmaram ter experimentado nas últimas semanas algum entre 12 sinais associados ao estresse e, potencialmente, a problemas psiquiátricos (especialmente a depressão). Entre essas características estão sentir-se infeliz ou deprimido, sob pressão constante, perda de autoconfiança ou insônia devido às preocupações.
Os resultados foram que 41% dos doutorandos se sentiam sob pressão constante, 30% deprimidos ou infelizes, e 16% se sentiam inúteis. Além disso, metade deles relatavam conviver com pelo menos 2 dos 12 sinais avaliados no teste.
“Fomos os primeiros a estudar os doutorandos como um grupo à parte, usando um tamanho de amostra adequado e comparando-os com outros grupos de população altamente formados”, enfatiza Levecque. Os resultados mais chamativos desse estudo aparecem quando se comparam pessoas fazendo uma tese doutoral com outras populações (um grupo de população geral, outro de trabalhadores e um de estudantes), todas elas com um alto nível educativo (de alunos da graduação universitária a doutorados): em todos os casos, o grupo de pessoas que estavam fazendo doutorado tinha com muito mais frequência sinais de deterioração em sua saúde mental, chegando por exemplo a que 32% dos doutorandos relatassem pelo menos 4 dos 12 sintomas, frente aos 12%-15% das pessoas dos grupos controle.
O estudo também examina se entre os doutorandos existem condições que aumentem as possibilidades de ter ou desenvolver um problema psiquiátrico. Levecque conclui, por exemplo, que o desenvolvimento desses sintomas é independente da disciplina do doutorado, sejam ciências, ciências sociais, humanidades, ciências aplicadas ou ciências biomédicas. Não ocorre o mesmo quanto ao gênero, já que as mulheres que fazem doutorado têm 27% mais possibilidades de sofrerem problemas psiquiátricos que os homens.
Outro fator que pode influir na saúde do estudante, nesse caso tanto negativa quanto positivamente, é o tipo de orientador: a saúde mental dos doutorandos era melhor do que o normal quando tinham um mentor cuja liderança lhes inspirava. Pelo contrário, outros estilos de liderança eram neutras, ou no caso dos orientadores que se abstinham de dirigir ou guiar o doutorando — um tipo de liderança laissez-faire — seus orientandos tinham 8% mais chances de desenvolverem sofrimento psicológico. “Mas, além do estilo de liderança, há outros fatores importantes, como o nível de pressão no ambiente profissional, o próprio controle sobre o ritmo de trabalho ou quando fazer pausas, que também estão relacionadas com o orientador. Por isso o orientador é relevante tanto direta como indiretamente para a saúde mental dos doutorandos”, detalha a pesquisadora.
A conciliação familiar é outro tema importante, já que quem tem uma situação conflitiva entre sua família e o trabalho fica 52% mais propenso a desenvolver um problema psiquiátrico. E o mesmo ocorre com a carga de trabalho, que pode chegar a aumentar em 65% a aparição de distúrbios psiquiátricos.
Todo esse trabalho feito pela Universidade de Gante deixa claro que mesmo em países como a Bélgica, onde as condições econômicas são favoráveis, o desenvolvimento do doutorado expõe os alunos a situações tóxicas para sua saúde mental, acima do que é habitual em outros ambientes similares. Sobre isto, Levecque enfatiza o valor de melhorar a assistência em saúde mental aos doutorandos, já que eles são um dos pilares da produção científico-tecnológica em nível mundial; e dá três conselhos básicos: “Em primeiro lugar, forme-se e dedique tempo a conhecer sua própria saúde… e a de outras pessoas. Em segundo lugar, fale de um modo explícito sobre a saúde mental. E finalmente, no nível das organizações, estas deveriam se preocupar com o bem-estar dos seus empregados tanto por razões humanitárias como financeiras: o bem-estar do funcionário e sua eficácia trabalhista estão altamente correlacionados”.
Fonte: Pablo Barrecheguren para El Pais – Foto: Michal Jarmoluk para Pixabay