Estudo mostra que 38,8% das participantes que deram à luz entre junho e dezembro de 2020 em hospitais de São Paulo apresentaram sintomas de depressão pós-parto – quase o dobro da taxa observada em estudos nacionais anteriores. [1,2]
Os dados do novo trabalho, que foi publicado no periódico Journal of Affective Disorders, sugerem que a ansiedade gerada pela pandemia de covid-19 aumentou a prevalência de depressão pós-parto entre as brasileiras.
O Dr. Marco Aurélio Galletta, médico ginecologista e obstetra, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores do estudo, falou ao Medscape sobre os resultados da pesquisa.
Detalhes do estudo
O estudo em questão foi conduzido em dois serviços de saúde da USP, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e o Hospital Universitário, e avaliou 184 puérperas. As participantes tinham, em média, 30,84 anos de idade e o número médio de dias de pós-parto foi 56,85.
A saúde mental das participantes foi examinada no pós-parto a partir de três ferramentas: Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS), Hospital Anxiety and Depression (HAD) e um questionário destinado a entender a rotina das participantes após o início da pandemia de SARS-CoV-2. Esse último coletou dados demográficos e avaliou também o grau de distanciamento social adotado pelas participantes durante a pandemia, seus medos e preocupações sobre a gestação e o parto, e suas reações às notícias sobre o SARS-CoV-2.
Além de revelar uma alta taxa de sintomas de depressão pós-parto (38,8%), o estudo encontrou ainda elevada prevalência de sintomas de ansiedade entre as participantes (40,8%). Ideação suicida foi verificada em 14,3% da amostra.
Segundo o Dr. Marco Aurélio, a pesquisa revelou correlação positiva entre ansiedade e depressão pós-parto. “Essa associação sempre existiu, mas a correlação que observamos foi muito forte, então parece que a ansiedade gerada pela pandemia realmente fez aumentar a depressão pós-parto, o que é bem razoável”, destacou.
Os autores verificaram que as participantes passaram em média 4,45 horas por dia ouvindo ou lendo notícias sobre covid-19. As que tiveram depressão pós-parto gastaram em média 5,6 horas buscando informações sobre a pandemia, enquanto as que não desenvolveram o quadro dedicaram 3,7 horas por dia a esta atividade.
Em relação à ideação suicida, houve uma diferença significativa: as participantes que apresentaram o sintoma dedicaram 4,5 horas diárias à busca de informações sobre a pandemia enquanto as que não tiveram o sintoma dedicaram 2,0 horas diárias à tarefa.
As notícias sobre a pandemia tiveram impacto na saúde mental das puérperas, aumentando a preocupação e a ansiedade. Os conteúdos que mais chamaram a atenção das participantes foram o número de mortes e a carência de leitos hospitalares. De fato, a análise multivariada revelou que preocupação com a falta de leitos hospitalares, assim como ausência do(a) parceiro(a) e sintomas de ansiedade foram fatores associados à depressão pós-parto.
A fonte das notícias foi outro ponto relevante. “Embora não tenha dado significativo, o estudo mostrou que as notícias obtidas por WhatsApp foram associadas a um risco quase duas vezes maior de depressão pós-parto. Para a televisão, que poderia ser considerada o standard, observamos um risco igual, mas quando a informação vinha através dos amigos a diferença foi significativa no modelo final para ideação suicida”, disse o Dr. Marco Aurélio.
Isso porque, segundo ele, puérperas que apresentaram sintomas de ansiedade e as que obtiveram informações por meio de amigos apresentaram aumento do risco de ideação suicida. Para o médico, esse achado reflete um pouco a ideia do “amigo da onça”. “Víamos nos nossos próprios círculos de amigos que frequentemente as pessoas ficavam assustando umas às outras. Além disso, esse resultado também indica outra possibilidade: a falta de apoio da família. Talvez as pessoas que consumiram informações primordialmente fornecidas por amigos não tinham familiares para dar informações ou não tinham acesso a outras fontes de notícias. De qualquer forma, é interessante o fato de a fonte da informação aumentar a ansiedade e depressão pós-parto”, ressaltou.
O pesquisador observou que tanto a ausência do(a) parceiro(a) como a ocorrência de brigas em casa foram fatores associados a aumento do risco de depressão pós-parto na análise univariada. No entanto, no modelo final (análise multivariada), as brigas perderam um pouco o valor e não houve significância estatística para esse fator. Segundo o Dr. Marco Aurélio, apesar dos relatos de brigas em casa, não foi possível determinar se a ausência do(a) parceiro(a) no puerpério foi consequência dessas brigas. “Enfrentar sozinha esse momento, na pandemia, sem ninguém, é complicado. Aliás, quando questionadas se ‘deu alguma coisa errada na hora do parto’, muitas responderam que foi muito ruim não ter um acompanhante — medida adotada por conta das restrições impostas pela pandemia”, afirmou.
O estudo mostrou ainda que as participantes que permaneceram mais tempo em isolamento social tiveram menos risco de depressão pós-parto. Para o médico, esse grupo provavelmente se sentia mais seguro. “As mulheres com menor poder aquisitivo, com mais dificuldade financeira, não puderam fazer isolamento. Elas sabiam da importância do isolamento, mas explicaram que precisavam trabalhar, assim como seus filhos e maridos. Vimos que muitas se infectaram por causa disso”, disse o pesquisador.
A pesquisa mostrou que 37,6% das participantes foram admitidas no hospital com sintomas de covid-19, sendo que 40,0% do total de pacientes teve infecção confirmada. A depressão pós-parto, no entanto, não foi relacionada ao diagnóstico de covid-19. “Esperávamos que houvesse uma correlação, porém depois achamos o resultado muito coerente. Em um primeiro momento, a internação por covid-19 poderia, de fato, levar a mais ansiedade e depressão; no entanto, é preciso considerar que avaliamos as pacientes no pós-parto, ou seja, em um período em que já tinham passado pela internação, já estavam salvas. Muitas falaram que haviam renascido, eram gratas a Deus, ou seja, havia um sentimento positivo”, destacou o Dr. Marco Aurélio, acrescentando que em uma próxima pesquisa o grupo investigará se existe relação entre depressão pós-parto e gravidade do quadro de covid-19 durante a gestação ou parto.
Para o médico, um dos aspectos mais relevantes da pesquisa é a percepção do impacto das notícias sobre as pacientes. “A grávida é mais influenciável, mais preocupada, mais sensível às coisas que a cercam. Os dados mostram que precisamos ter atenção a esse grupo específico”, pontuou, destacando que, em termos assistenciais, é importante que o médico oriente a gestante a ter moderação na exposição às notícias. “Em trabalhos de fora do país, vimos que a partir de três horas por dia de informação já havia associação com aumento da ansiedade. [3] O nosso grupo teve uma média de quatro horas diárias. Pode-se dizer então que até duas, três horas por dia de informação é aceitável, porém mais do que isso é deletério. As pacientes não precisam ficar alijadas do mundo, mas é preciso ter bom senso”, disse.
A infodemia, ou seja, o fluxo excessivo de informações como se fosse uma epidemia, se tornou muito relevante na pandemia de covid-19. Segundo o Dr. Marco Aurélio, o acesso à informação correta tende a melhorar a saúde mental, mas, em contrapartida, as notícias falsas geram insegurança e estão associadas a doenças mentais. “O Brasil é um dos países com mais fake news do mundo. As fake news se somam a uma conjunção triste de insegurança política, econômica e da própria doença. Tudo isso levou a esse resultado tão sério que identificamos na pesquisa”, destacou.
Fonte: Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck) para Medscape – Foto: Cindy Parks para Pìxabay