‘Cérebro pandêmico’ não se limita aos pacientes infectados pelo SARS-CoV-2

O estresse de viver uma pandemia pode causar inflamação cerebral mesmo em quem não se infectou, sugere um novo estudo.

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Pessoas saudáveis cujo resultado do PCR para SARS-CoV-2 foi negativo apresentaram altos níveis de marcadores inflamatórios conhecidos por participarem de depressão, estresse e fadiga mental. O estudo indicou uma possível relação entre os fatores de estresse associados à pandemia e as respostas neuroimunes.

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“O achado mais importante é a evidência de neuroinflamação nos participantes não infectados e hígidos, o que pode explicar a variedade dos sintomas de doença comportamental apresentados por muitas pessoas durante a pandemia”, disse ao Medscape a primeira autora Dra. Ludovica Brusaferri, Ph.D., pós-doutoranda no Massachusetts General Hospital e na Harvard Medical School, nos EUA.

O estudo foi publicado on-line em 16 de fevereiro no periódico Brain, Behavior, and Immunity.

Impacto da tensão da epidemia?

Os relatos de sofrimento psicológico aumentaram consideravelmente nos Estados Unidos durante a pandemia, inclusive entre os não infectados com SARS-CoV-2.

Para melhor compreender os efeitos da pandemia na saúde cerebral e mental, os pesquisadores analisaram retrospectivamente os dados obtidos de 57 pessoas recrutadas como controle em estudos não relacionados antes do início da pandemia.

Eles também recrutaram 15 pessoas que moravam em Massachusetts durante os dois meses de confinamento em casa desse estado, de março a maio de 2020, todos com resultados negativos de sorologia anticovídica.

Os pesquisadores utilizaram imagens de tomografia computadorizada por emissão de pósitrons e ressonância magnética e análises de amostras de sangue para investigar se havia diferenças no cérebro das pessoas sadias antes e durante a pandemia, após o confinamento.

Em comparação ao grupo de controle, a coorte de pandemia apresentou altos níveis da proteína translocadora de 18 kDa (TSPO) e de mioinositol, marcadores inflamatórios cerebrais. O aumento da TSPO foi associado a depressão e pensamentos suicidas e o aumento do mioinositol foi relacionado com a esquizofrenia.

Os níveis séricos de dois marcadores inflamatórios, a interleucina 16 e a proteína do fator quimiotático 1 monocitário, também ficaram aumentados na coorte da pandemia, embora em menor grau.

Os níveis de TSPO ficaram especialmente aumentados nos participantes da coorte da pandemia que referiram instabilidade de humor e fadiga mental e física em comparação aos que descreveram poucos ou nenhum sintoma.

“Esses achados respaldam o papel da neuroinflamação no estresse, observação que, se replicada, poderá ajudar a orientar a descoberta de novos tratamentos direcionados para a redução da inflamação cerebral”, disse ao Medscape o autor do estudo, Dr. Marco Loggia, Ph.D., codiretor do Center for Integrative Pain Neuroimaging no Massachusetts General Hospital e na Harvard Medical School.

Embora os dados que mostram aumento da neuroinflamação tenham sido coletados quando os participantes estavam sob ordem de permanecer em casa, os pesquisadores disseram que não é claro que essa tenha sido a causa.

“Não estamos dizendo que foi o confinamento que causou isso”, disse o Dr. Marco. “Poderia ter sido isolamento social, mudanças na alimentação ou mudanças nos padrões de atividade física. Não sabemos exatamente qual foi a causa, talvez tenha sido.”

Uma contribuição significativa

Convidado pelo Medscape para comentar o estudo, o Dr. Ning Quan, Ph.D., professor de ciências biomédicas na Charles E. Schmidt College of Medicine na Florida Atlantic University, Estados Unidos, disse que, embora as questões permaneçam, os achados oferecem informações valiosas.

“Este estudo contribui significativamente para nossa compreensão de como o estresse da pandemia pode impactar nosso cérebro e nosso comportamento”, disse o Dr. Ning. “O principal avanço que este artigo apresenta é que a fadiga ou a obnubilação podem ser induzidas em indivíduos sem covid-19 durante a pandemia”.

Entretanto, acrescentou, o estudo apresenta várias limitações, como o pequeno tamanho da amostra, o que dificulta a generalização dos resultados.

“Outra questão é que todos os participantes do estudo todos viviam em Massachusetts”, observou o Dr. Ning. “Participantes de diferentes estados ou países podem produzir resultados diferentes.”

O estudo foi financiado pelos National Institutes of Health e por The Landreth Family Foundation. Os autores do estudo e o Dr. Ning Quan informaram não ter conflitos de interesse relevantes.

Brain Behav Immun. Publicado on-line em 16 de fevereiro de 2022. Texto completo

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Fonte: Kelli Whitlock Burton para Medscape e ScienceDirect  - Foto: Colin Behrens para Pìxabay

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