Exigência social de dar conta de família, filhos e trabalho frequentemente provoca esgotamento e sobrecarga nas mulheres
Se dedicar à família, aos filhos, ao trabalho e cuidar da casa. Há quem diga que a mulher capaz de dar conta de tudo é uma super-heroína, mas por trás desse rótulo existe uma pessoa exausta e precisando de ajuda. O levantamento da comunidade Mommys, realizado em 2021, mostra que mais de 71% das mães brasileiras, mesmo contando com alguma ajuda, estão presentes em todas as atividades domésticas, e 49,1% dizem se sentir em limbo emocional, sem saber identificar o que seus sentimentos significam. Os dados evidenciam um problema social extremamente presente e pouco discutido: o Mommy Burnout, que define a exaustão de mães sobrecarregadas em suas rotinas.
Caroline Damazio, psicóloga e professora na UniRitter, explica que o esgotamento materno não atinge apenas as mães que estão no mercado de trabalho e acontece independentemente de recorte social: “Se estende a quem trabalha em casa, um trabalho árduo que por muito tempo foi naturalizado como uma construção da mulher. Essa lógica de sempre estar envolvida com o cuidado do outro automaticamente já gera o esgotamento.”
A especialista ainda chama atenção para a romantização da maternidade, que gera um sentimento de culpa nas mulheres que não conseguem se dedicar totalmente ao cuidado com os filhos. “A sociedade nomeia como super-heroína a mãe que trabalha fora, trabalha em casa e leva o filho para as mil atividades que ele tem. Se ela não consegue fazer uma dessas coisas, já não se sente uma super heroína”, ressalta.
Cansaço físico, mental, crises de ansiedade e elevado nível de estresse são apenas alguns dos sintomas que indicam o esgotamento. Para identificar esse problema, a especialista destaca a importância da escuta. “Precisamos prestar atenção nas nossas narrativas diárias. Lembrar de, no final do dia, perguntar ‘quais diálogos eu tive hoje?’ Se perceber que só reclamou que estava cansada, se nenhuma frase sinalizou um desejo de lazer, é sinal de que estamos colocando as necessidades do outro, da família, do emprego, à frente das nossas”, explica.
Essa observação é importante para saber quando pedir ajuda, complementa a psicóloga Jênnifer Puls, do grupo CCG Saúde: “Não deixe que surjam crises, transtornos ou que chegue no seu limite para buscar ajuda. Você precisa conhecer a si mesma e entender quando não consegue mais lidar com algo sozinha.”
A importância de olhar para si mesma
A jornalista Larissa Brito, de 33 anos, só percebeu que estava passando por um burnout materno depois de chegar ao limite. Sua filha, Maria Eduarda, de 8 anos, é autista. Tentando conciliar os desafios de uma maternidade atípica com as tarefas de casa e do trabalho, Larissa desenvolveu transtornos alimentares e sofreu com crises de ansiedade. “A gente sempre acaba deixando alguma coisa de lado. No caso da mãe, ela deixa de lado a si própria”, afirma.
A autocobrança para ser a mulher super-heroína fez com que a jornalista esquecesse de olhar para suas próprias necessidades. “Sempre achei que estava deixando a desejar com a minha filha, com o meu relacionamento e com o meu trabalho. Na verdade, eu estava deixando a desejar comigo mesma”, conta.
A pesquisa State of Motherhood, divulgada em março deste ano pela plataforma Motherly, 62% das entrevistadas nos Estados Unidos reservam menos de 1 hora por dia para cuidar de si mesmas. Já no levantamento da Mommys, apenas 33,6% das mães brasileiras afirmam ter algum hobby. O sentimento de culpa por focar em suas necessidades faz com que muitas mães deixem de se cuidar, mas precisa haver equilíbrio, alerta a psicóloga Jênnifer Puls. “Olhar para si mesma não é sinônimo de abandonar os cuidados com os filhos. Se você não estiver bem, como cuidará de seus filhos com qualidade?”, questiona.
Quando começou a fazer acompanhamento psicológico, Larissa Brito entendeu que precisava recalcular a rota. Abriu mão do emprego CLT, estabeleceu prioridades e rotinas e começou a cuidar da alimentação. Ela conta que a decisão trouxe melhora em alguns aspectos, mas as demandas excessivas e o sentimento de cobrança permanecem. “Acho que o esgotamento materno acompanha a gente durante toda a jornada. Em alguns momentos, a gente consegue gerenciar melhor as coisas”, avalia.
Outro dado importante que o levantamento State of Motherhood mostrou é a quantidade de mães que precisaram recusar convites sociais devido às funções como cuidadoras: 80%. O número revela outra problemática, que é a diferença entre as responsabilidades atribuídas aos pais e às mães. Por isso, Larissa propõe uma reflexão para a forma como a sociedade enxerga a maternidade. “A gente sempre está muito perto do esgotamento, porque a sociedade não é pensada para a mãe. Os homens têm a mesma parcela de responsabilidade na criação de um filho. As empresas precisam entender, as escolas precisam entender”, pontua.
Se antes os avós estavam disponíveis para ajudar no cuidado com os netos, hoje o cenário está diferente. Larissa chama atenção para o fato de que a terceira idade está cada vez mais presente no mercado de trabalho. Em 2012, a porcentagem de idosos ativos era de 5,9%. Em 2018, o índice aumentou para 7,2%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“Minha mãe e minha sogra trabalham e não têm tempo de me ajudar. Não tem mais aquela história da vovó que fica em casa cuidando do netinho”, diz. Para ela, a sociedade como um todo deve atuar como rede de apoio. E para dar luz a esse tema, Larissa começou a usar suas redes sociais. “É impressionante a quantidade de retorno que recebo de pessoas se identificando”, comenta.
Um espaço de acolhimento
Quem também compartilha sua experiência na maternidade para ajudar outras mulheres é Tais Saraiva, de 43 anos, idealizadora da comunidade Benditas Mães. Ela e sua amiga Mari trabalhavam juntas com um e-commerce de enxoval de bebê quando decidiram, em 2019, criar um projeto que ajudasse outras mães a passar pelos desafios da maternidade. Assim, nasceu o @benditasmaesoficial no Instagram, trazendo conteúdos que apresentam a maternidade real e com leveza, se tornando um espaço de acolhimento para mais de 75 mil mulheres.
Mãe da Rafaela, 12, e do Eduardo, 5, Tais também viveu o esgotamento materno. Para ela, a sobrecarga estava vinculada à privação de sono. “Um dia começa sem que tu tenha terminado o outro. Essa é a sensação. Tudo começa de novo, sem que tu tenha descansado”, relata. Assim como Larissa, Tais acredita que a exaustão materna não é medida em um período específico: “A gente tem marcos, mas a sobrecarga é diária.”
Por receber muitos relatos de mulheres passando por isso, ela entende a necessidade de alertar sobre o tema. “A mãe tem que se preparar com cuidados com bebê, entender de sono, introdução alimentar, mas pouco se fala sobre o quanto ela tem que se preparar emocionalmente para a maternidade”, enfatiza. O projeto, que conta com uma comunidade no WhatsApp, cursos, blog e site, atua como também como uma rede de apoio para além da informação. “A gente leva esse acolhimento. A maternidade muitas vezes é solitária. Então, essas redes virtuais como o Benditas fazem muito esse papel de levar alívio e sensação de pertencimento”, explica.
Além de acolher estas mulheres exaustas, é necessário romper com a romantização em relação ao papel das mães, alerta a psicóloga Caroline Damazio. “Precisamos parar de naturalizar essa maternidade que é desgastante, cansativa, e conduzir essas mães a se sentirem à vontade para refletir sobre seus processos”, afirma. Segundo a especialista, essa também é uma forma de prevenção: “À medida que conseguimos trazer aquela mãe para um espaço de fala, de autocuidado, conseguimos evitar que o esgotamento apareça. É papel da rede de apoio alertar essa mulher de que a vida existe para ela também.”
Tais explica que seu principal propósito com o projeto é incentivar as mães a serem protagonistas de suas vidas. “Fazer com que elas entendam que podem criar filhos emocionalmente saudáveis quanto mais felizes e realizadas elas forem. Temos múltiplos papéis e podemos ser todos eles sem a busca pela perfeição”, enfatiza. Se a sobrecarga acontece por uma construção social, o combate a esse problema também envolve toda a sociedade. E começa pela escuta e olhar atento para as necessidades e vontades da mulher que existe por trás da capa de super-heroína.
Fonte: Camila Souza para Correio do Povo – Foto: Creativeart para Freepik