Tenho um amigo que acorda todo dia às 6h, sai para correr cinco quilômetros, toma um café da manhã superequilibrado e saudável e, quando chega ao trabalho, está se sentindo relaxado, revigorado e pronto para encarar o batente.
Não suporto esse meu amigo. Simplesmente porque sou do tipo que acha que o botão “soneca” do despertador deveria ser um direito humano básico.
Não importa se me deito cedo: de manhã, nunca consigo me livrar da sensação de ter uma nuvem pairando em volta da minha cabeça.
Mas ficar cansado não é completamente culpa nossa, já que o estilo de vida que levamos nem sempre colabora para o delicado equilíbrio do nosso corpo.
‘Despertador natural’
O relógio biológico que controla o sono, o chamado ciclo circadiano, é regido pela liberação de hormônios vindos da glândula pineal, localizada no centro do cérebro, entre os dois hemisférios.
Essa glândula é responsável pela produção da melatonina, o hormônio indutor do sono. A liberação desse hormônio começa por volta das 21h, trazendo uma sensação de relaxamento e de vontade de dormir.
O pico da liberação de melatonina ocorre por volta das 3h e o hormônio permanece alto no organismo por cerca de 12 horas. Sua presença começa a decair de manhã e é praticamente indetectável no meio do dia.
Esse ciclo natural é também o que regula o nível de alerta, na direção oposta: precisamos dele alto durante o dia e baixo durante a noite.
Os níveis de melatonina agem como um “despertador natural”, o que explica a sensação estranha no organismo quando uma pessoa viaja por diferentes fusos horários, o chamado jet-lag.
Se na hora de dormir o nível de melatonina estiver baixo, será praticamente impossível pegar no sono, independentemente do quanto você está cansado.
O ciclo circadiano explica ainda por que é muito difícil conseguir dormir por oito horas depois de uma noite em claro. O nível de melatonina pode até estar alto quando você finalmente for para a cama, por volta das 6h. Mas o relógio biológico acaba confundindo seu organismo no meio do dia e o sono deixa de ser repousante.
Pelo mesmo motivo, é comum sentir uma segunda onda de energia quando se passa mais de 24 horas acordado.
Culpa da tecnologia?
Voltando ao meu irritante amigo, o que explica seu comportamento é o fato de o ciclo circadiano ser diferente em cada indivíduo. Em alguns, os níveis de melatonina aumentam e caem mais cedo, enquanto em outras pessoas, o ciclo é mais “atrasado”.
Cientistas argumentam que existem motivos evolutivos para isso. Um deles é que, assim, um agrupamento humano teria sempre alguém em estado de vigília para proteger o resto.
Pesquisadores também já demonstraram que o ciclo circadiano ocorre bem mais tarde entre os adolescentes que entre adultos. Por isso, muitos jovens “enrolam” para ir para a cama e têm uma enorme dificuldade de se levantar quando o despertador toca pela manhã. É que o ciclo circadiano desses adolescentes está fora de sincronismo com seu ciclo de sono.
Mas existe um outro problema que pode interferir em nosso relógio biológico: a tecnologia à nossa volta.
O ciclo circadiano e os níveis de melatonina são regulados pela quantidade de luz a que estamos expostos, mantendo-nos alertas durante o dia e mais relaxados e sonolentos durante a noite.
Mas hoje em dia, passamos nossos dias em espaços fechados e com pouca luz, enquanto à noite ficamos horas diante das telas iluminadas de televisões, computadores, tablets e smartphones.
Para piorar, a luz emitida por todos esses aparelhos, a chamada luz azul, tem um comprimento de onda curto. É exatamente o tipo de luz que faz com que nossos cérebros entendam que estamos no meio do dia e precisamos do maior nível de alerta possível, suprimindo o nível de melatonina.
Como ilustram os exemplos dos adolescentes e dos jet-laggers, se os níveis de melatonina não estiverem corretos, será impossível dormir.
Driblando as luzes
Mas existem alguns recursos para lidar com essa falta de sincronismo. Um deles é um aplicativo que muda a cor da tela do celular dependendo da hora, tornando-a mais escura à noite e mais clara de dia.
Ter um par de óculos com lentes cor de âmbar (entre o laranja e o amarelo) e usá-los à noite também pode ajudar a evitar que a produção natural de melatonina seja afetada.
Mas a melhor maneira de regular o sono e ter uma noite mais repousante é, segundo os cientistas, se desligar de qualquer tipo de tela cerca de uma hora antes de se deitar.
Em outras palavras: ouvir o que o seu relógio biológico está tentando dizer.
fonte: por Hannah Fry na BBC Future