Que tal pensar nisso comometa para 2016? Se você vive correndo, sofre para dizer “não” e responde e-mails até de madrugada, é hora de saber como se proteger da doença da pressa
Nos últimos anos, Mari Savarese vem produzindo turnês nacionais e internacionais com companhias de ópera, orquestras sinfônicas, grupos de câmara, maestros e solistas renomados mundialmente. Também elabora projetos de educação e difusão de música erudita.
Com a agenda tão dinâmica, ela acha dificílimo não enfrentar um pouco de correria, sobretudo vivendo em grandes cidades. “Mesmo tendo muitas ferramentas e mecanismos à nossa disposição para otimizar o tempo, tendemos a acumular tarefas, na ilusão de que podemos fazer tudo. Daí, a pressa toma conta”, analisa a produtora de eventos, que, dois anos atrás, teve um pico tão grande de estresse que começou a perder os cabelos. Literalmente! “Desenvolvi alopecia areata, uma doença autoimune. Depois do susto de ficar parcialmente careca, tive uma síncope nervosa e passei cinco dias internada no hospital, às vésperas de uma turnê europeia com a orquestra que eu produzia. Apavorada, refleti sobre o meu cotidiano e percebi que acumulava tantas responsabilidades inconscientemente, que fazia mal a mim mesma. Tem sido um processo de aprendizagem interessante. Olhava tanto para fora (para a pilha de papéis na mesa, os e-mails e tarefas a honrar, os 100 músicos de quem cuidava…) que me esquecia de comer, de dormir”, admite Mari. Já o administrador Carlos Eduardo Gregolini ganhou consciência de que agia de modo acelerado quando seu filho, hoje com 17 anos, ficou adolescente. “Percebi que o meu timing estava adiantado em relação ao do Arthur, que não tem aquele estresse do dia a dia. Para dar um exemplo, se me pedia para levá-lo até a casa de um amigo, em um minuto eu já estava calçado, na porta de casa, com a chave do carro na mão. Daí ouvia: ‘Pai, calma, que eu ainda vou tomar banho’. No início, aquilo me deixava possesso, porque eu queria que ele fosse tão apressado como eu.
Hoje eu penso: sorte dele que não é”, reconhece Carlos. Outra ex-acelerada confessa é Alda Martinelli. Depois de 35 anos na área de comunicação, apaixonou-se pela Yoga Massagem Ayurvédica (YMA), técnica criada há mais de 30 anos que mescla os deslizamentos e amassamentos da massagem tradicional indiana com os alongamentos e torções da ioga. “Buscava fazer coisas que me ajudassem a acalmar, relaxar, aliviar as dores no corpo provocadas pela tensão, como ioga, meditação e massagens. Até que um dia, na década de 90, recebi essa massagem que me impressionou”. Alda passou a recebê-la semanalmente e quis aprender – inclusive com a sua criadora, a Kusum Modak, na Índia –, tornando-se terapeuta corporal. “Eu me sinto mais feliz e mais apaziguada, pois, quando trato as dores, tensões e aceleração de alguém com a YMA, me trato também”, conta ela, que escreveu o livro ilustrativo Yoga Massagem Ayurvédica – A Transformação pelo Toque (Editora Olhares), em que mostra que, uma vez que a pessoa busque essa ou outra forma de relaxar e de se reconectar consigo própria, sua vida vai mudando. “Vale a pena fazer pausas no corre-corre e pensar nisso”, incentiva Alda.
VEM DOR, FOGE CONCENTRAÇÃO
Hurry sickness ou doença da pressa tem sido uma das principais causas da perda de qualidade de vida dos brasileiros, de acordo com a doutora em psicologia clínica e comunicação verbal Ana Maria Rossi, que preside a International Stress Management Association no Brasil (ISMA-BR). Pesquisa dessa associação que objetiva prevenir e tratar o estresse, com mil profissionais homens e mulheres de 25 a 65 anos, revelou que 30% sofriam da doença da pressa. Desses, 8% tinham diminuído o ritmo e 13% queriam fazê-lo, mas estavam em busca de alternativas. Ana Maria Rossi esclarece que, para ser doença, é importante que a pressa seja injustificada (por exemplo, não inclui quem está correndo para atender uma emergência) e um comportamento constante. Entre os sintomas físicos mais frequentes nos entrevistados lideraram dores musculares (93%), cansaço (82%), insônia (37%), azia (28%) e hipertensão (12%). Quanto aos emocionais, 91% sentiam ansiedade, 88% angústia, 73% falta de concentração, 46% raiva e 32% falta de memória. E mais: 56% recorriam a algum medicamento e 48% ao álcool, 30% tiveram mais apetite e 26% menos libido e 8% se envolveram em acidentes de trânsito. “Ninguém tem tempo para uma conversa sossegada, olho no olho, e nem para se ouvir e se perceber. Nas ruas, todo mundo passa falando ao telefone e digitando. Você vai percebendo as transformações físicas da população: cabeças projetadas para frente e para baixo, ombros convexos… Com isso, são inevitáveis os problemas posturais e as dores na cervical, nos ombros, braços e mãos”, comenta Alda Martinelli.
AGILIDADE SAUDÁVEL
“Se você executa suas tarefas com rapidez, mas também com precisão e qualidade, e ao mesmo tempo sente um sossego emocional, desenvolve um relacionamento sadio com as pessoas que o rodeiam e vive o momento presente em todos os seus papéis, parabéns! É uma pessoa com energia e resiliência, que sabe administrar suas 24 horas e tem uma vida com sentido”, avalia Vera Martins, consultora em gestão estratégica de pessoas, coach, palestrante e professora. “Entretanto, se as demandas pessoais e profissionais estiverem atropelando seus dias e noites, causando estresse em demasia a ponto de você sentir que pode perder o controle de sua vida, é provável que tenha adquirido a síndrome da pressa. Tanto que é visto como alguém agitado, dinâmico, que faz dez coisas ao mesmo tempo, do tipo que nunca para”, continua Vera, autora dos livros Seja Assertivo!, Tenha Calma! e O Emocional Inteligente (da Altabooks). Vera considera a síndrome da pressa um distúrbio comportamental, que pode facilitar dois transtornos: uma ansiedade generalizada, causando a sensação de que 24 horas não bastam. E uma hiperatividade que leva à agitação cerebral, deixando a pessoa perdida, baratinada, com perda do foco. “Ela tende a não realizar bem e nem terminar suas múltiplas tarefas, o que só aumenta a ansiedade”, explica a consultora.
COMO SE AUTODIAGNOSTICAR
“Preste atenção ao seu redor, pois a síndrome da pressa impacta diretamente no seu comportamento social, afetando sua comunicação, seu equilíbrio emocional e, principalmente, sua saúde”, orienta Vera. Pode reparar: muitos que vivem correndo contra o relógio acabam tratando mal as pessoas, atropelando os diálogos e, claro, criando conflitos desnecessários. De fato, a escuta ativa, ingrediente primordial para dialogar, compreender pessoas, negociar, administrar conflitos, alinhar expectativas, trocar feedbacks, fica bem comprometida com tanta aceleração. “Quer evidências? O apressado crônico interrompe a fala do outro, seleciona o que quer ouvir, não suporta longas histórias, desvaloriza os sentimentos do outro”, exemplifica Vera. Tanta impaciência estimula uma linguagem que critica, julga e apela para a manipulação, a fim de acelerar as respostas do seu cônjuge, funcionário, vizinho… “Quer evidências? O apressado crônico usa frases curtas, verbos no imperativo (dando ordens), expressões que atacam, fazendo com que seu interlocutor fique agitado ou se desculpando quando não atende às suas expectativas”, ilustra a coach.
DESACELEREUM POUCO
“Se você ainda não desenvolveu transtornos de ansiedade generalizada e nem hiperatividade, pode começar a acalmar sua pressa sem perder rapidez e prazos”, anima Vera. Ela e Ana Maria, que é ainda copresidente da Divisão de Saúde Ocupacional da Associação Mundial de Psiquiatria (WPA), sugerem estas atitudes:
- Reconheça o comportamento, pois muitas vezes ele se torna automático, e você nem percebe. E queira mudar.
- Adote comportamentos alternativos para substituir a compulsão da pressa. Por exemplo, diga “não” quando necessário, para evitar assumir mais trabalho do que consegue tocar, respeite os limites do seu corpo e, assim, escape da exaustão.
- Crie situações em que conscientemente diminui o ritmo, para desenvolver novos condicionamentos. Por exemplo, fique longe da internet e do celular por um fim de semana inteiro. Você sobreviverá.
- Altere seu olhar para o tempo. Por exemplo, pode enxergá-lo como um pote. Depois de cheio, não cabe mais nada (é a Lei da Física), a menos que jogue fora algo de dentro dele e, assim, arranje espaço.
- Viva o presente e perceba os detalhes do momento. A pressa transporta nossos cinco sentidos para o futuro. E não usufruímos o toque de um abraço, a visão do pôr do sol, o cheiro da comida fresquinha…
- Dê-se o direito de não fazer nada, pelo menos meia hora por dia.
- Inclua na agenda atividades que distraiam a mente, como passeios com o cachorro e o que mais lhe der conforto. Quando você voltar ao trabalho, sua produtividade aumentará e sua paciência também.
- Liste pendências e tarefas a fazer num aplicativo ou caderno, para aliviar sua memória executiva e poder ocupar seu pré-frontal com uma coisa de cada vez. Você vai perceber que dá tempo para fazer – senão tudo, a maioria.
- Divida grandes objetivos em pequenas metas. Ao atingir cada uma, comemore e se presenteie. Isso diminui a ansiedade e estimula o circuito da recompensa com a ativação da dopamina, um neurotransmissor fundamental para motivação, foco e produtividade.
- Seja assertivo e claro quando pedir algo e tenha critérios objetivos na hora de negociar prazos e prioridades. Assim, vai se irritar menos e evitar mal-entendidos.
- Relaxe um pouco nas exigências e confie mais nas pessoas que interagem com você. “Ainda estou correndo, mas de uma maneira mais justa comigo mesma”, relata Mari Savarese, que foi cuidar do lado espiritual “para entender a necessidade de provar (não sei a quem) que conseguia fazer tudo ao mesmo tempo”. Ela passou a meditar e se tratar com mesa radiônica (física quântica), acupuntura, florais de Bach e homeopatia. “Antes, eu estava sempre à disposição, respondia e-mails às quatro horas da manhã e aceitava realizar atividades diversas das minhas competências por receio de desagradar. Quem impõe limites pode parecer arrogante a princípio, mas dizer ‘não’ é produtivo!”, reconhece a produtora. Carlos também aprendeu com o filho que nem tudo precisa ser na correria, de imediato. “Agora, continuo tranquilo até que ele pare em pé na minha frente e me avise: ‘Vamos para a casa do fulano?’ Também percebi que, por causa do meu estresse, não estava escutando as histórias dele até o final. Desacelerei um pouco, e nossa interação aumentou”, conclui o pai.
fonte: Texto por Joyce Moysés para ISMA-BR - Imagens por Freepik